sábado, 26 de junho de 2010

ÌYÀMI e o MITO da CRIAÇÃO

Ìyàmi está intimamente ligada ao mito ioruba da criação do mundo. Vários autores o escreveram sem se aperceberem. O único que que o sugere é Maupoil, como veremos mais adiante.
Examinando o que escrevem estes primeiros autores, sobre os orixás da criação, podemos ver o mito evoluir através das sucessivas interpretações.
O Rev. S. Crowther, definia em 1852(Crowther, S. A.: A vocabulary of the Yoruba Language, Londres, 1852):"Obátálá ou Orixalá, a grande deusa dos iorubas, que supõe-se ser a artesã do corpo humano". Numa outra rubrica, escreve. "Odùduwà ou Oòduà, deusa de Ifé, dita deusa suprema do mundo. O céu e a terra são também chamados Odùduwà, o céu e a terra são duas grandes cabaças, que tendo sido fechadas não podem nunca serem abertas."
O Rev. Bowen publica(Bowen A Grammar and Dictionary of the Yoruba Language, Washington, 1858.)que "Obátálà é tido por ser a primeira e a maior coisa criada; um outro de seus nomes é Orixánlá, o grande Orixá, sua mulher Iyáàgbà, a mãe que recebe, é representada acariciando uma criança, mas Iyáàgbà, ela própria, é Obátálà. Os dois são um, ou em outras palavras Obátálà é andrógino, representando a energia fecunda da natureza, despreendida do poder criador de Deus." Bowen indica em outro trecho, no que diz respeito a Oduduwà, que ele é o universo e que está situado em Ifé.
O abade Pierre Bouche publica um livro em 1885( La Côte des Esclaves et le Dahomey, Paris, p.113.)sobre a Costa dos Escravos, onde ele esteve a partir de 1866. Ele fala com ternura da crença em Ìyáàgbà, "esta deusa que parece tanto com a Santa Virgem. Como ela, segura uma criança em seus braços; ela se chama a mãe que salva, ela salvou os homens."
O autor não desconfiava que Ìyáàgbà, que elogiava tanto, não era outra, que Ìyámi, a feiticeira a mãe poderosa e implacável.
O Pe. Noël Baudin escreve em 1884 que Obàtálà é o maior dos seres que Deus, o Ser supremo, enviou no princípio. Colocou-o junto com outros espíritos na região superior do universo e o uniu a Odùduwá, tornando-se sua esposa. Odùduwá, que se chama também Ìyáàgbà, a mãe que recebe, habita as regiões inferiores do universo".
R. P. Baudin reúne em um só casal Obàtálà e Odùduwà, divindades cujos mitos estavam separados, e, retomando para o casal a definição dada por Crowther somente para Odùduwà, escreve que no "no princípio eles estavam estreitamente comprimidos e como que fechados dentro de uma grande cabaça". Ele reconstitue, sem o saber, o casal Obàrixà-Odù do mito da criação do pano de Egun, do qual Obatalá-Obarixá se apoderou após ter acalmado Odù-Iya àgbà (Baudin tinha identificado Iyá àgbà com Odudua) ensinando as virtudes alimentares dos caracóis.
Ele continua em seguida: "Obatalá estava em cima, sob a tampa, e Odùduwà em baixo, no fundo, submersa sob as águas, envolta em profundas trevas que a noite, o medo e a fome percorriam em todos os sentidos. Ela não era mais do que uma massa agitada, sem forma nem rosto e cega."
A. B. Ellis publica o livro The Yoruba speaking people, Londres, 1894, p. 38, dez anos mais tarde copiando, sem dar as fontes, os autores precedentes. Iyá àgbà torna-se Iya àgbe e indica Odudua não mais como a "grande deusa dos negros", mas como " a grande deusa negra", acreditando, sem levar em consideração os tons, que seu nome provinha de dudu/negro. Conclui, com a maior fleugma, um admirável sistema binário composto de elementos compostos de elementos opostos e complementares, onde o masculino se opõe ao feminino, o dia a noite, o bem ao mal, o branco ao negro. Mas, sobre este ultimo ponto, o erro é acerto, pois todos os adeptos de Odudua em Porto Novo, usam colares brancos porque Odudua é o nome dado a Obatalá naquela cidade.
Para concluir a exposição das estranhas interpretações que o padre Baudin dava, no século passado, às tradições orais por ele recolhidas, citamos ainda:"os fetichistas dizem ao povo que Odùduwà foi deixada feia e cega em conseqüência de uma briga caseira , na qual Obatalá arrancou os olhos de sua companheira para força-la a ficar em repouso. Ela, em sua cólera, o amaldiçoa e lhe diz: "Você terá os caracóis como comida. Olorun Olodumaré, Deus todo-poderoso invocado por Odùduwà para que lhe devolvesse a visão, declarou que como punição ela continuaria cega, mas Obàtálá, por ter cedido à cólera, comeria caracóis. É, com efeito, o principal sacrifício que os negros oferecem a Obàtálá".
A interpretação dada pelo padre Baudin, a respeito do simbolismo das oferendas de caracóis,parece ter sido feita um pouco apressadamente e não corresponde nem um pouco àquele de calma e serenidade expresso pela tradição oral atual, da qual uma amostra nos é dada pelo comentário de Odú "que nunca tinha comido nada tão bom".
Lydia Cabrera no livro El Monte, Havana, 1954, p.392, encontrou entre os descendentes lucumi (iorubas) em Cuba,um mito muito próximo daquele do padre Baudin.
"Odua ou Obatalá, o criador do gênero humano, e Yenmu, sua mulher, moravam em uma cabaça com dezesseis caracóis. Um dia brigaram e Obatalá lhe arrancou os olhos." O mito é o mesmo, mas o episódio da maldição das comidas de caracóis não existe. O casal criador é o mesmo que se encontra no templo de Obatalá em Ifé, onde sua companheira Yèyémòwó está a seu lado.
Reencontramos o mesmo casal criador, citado por Bernard Maupoil op. cit., p. 71, entre os daomeanos que o tomaram emprestado dos iorubas. "Mawu e Lisa evocam a união da terra e do céu; a cabaça fechada os une em um mesmo símbolo, e então Mawu-lisa são substituídos por um princípio esotérico, confuso hoje em dia, que leva o nome de Odù (tratado mais acima na parte ìgbádù)."
Um outro mito da criação me foi dado. É comprido e sai do assunto deste artigo. Darei, pois, somente o começo:
"Erè pôs no mundo um pote odù. Ela deposita dentro dele quatro ovos. Um deles rola para fora do pote e se quebra, Olodù, é Olódù omó Erè, Olódù filho de Erè. O segundo é Odùduà ou Òrixàá; o terceiro, Odúà, e o quarto é Odù logbo oje eléyinjúegé 9 a dona de olhos delicados), a única mulher entre eles e que é àjé; tem muito mais poderes que os outros".
A partir destas histórias, vemos que Iyàmi estava presente no começo do mundo. Mas, se para o abade Bouche Iyà àgbà era uma deusa como a Santa Virgem, a mãe que salva; para o sacerdote do orixá era a mãe poderosa e temível, a mãe sempre em cólera.

fonte:Pierre Fatumbi Verger: Artigos / - São Paulo: Corrupio, 1992

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